A combinação era simples. Sábado de manhã, no parque de estacionamento debaixo da Ponte Vasco da Gama. Ainda ao longe, distingui com facilidade a silhueta do SEAT 124 branco do meu amigo Nuno Alves. Nas conversas de café, nos tempos de faculdade, este 124 foi muitas vezes o tema das nossas manhãs. Infelizmente, até aqui, ainda não tinha tido a oportunidade de o ver. Foi, portanto, com muito gosto que vi este dia chegar.
O 124 foi um dos grandes responsáveis , se não o maior do mundo automóvel, pela mobilidade da população em Espanha. Um veículo moderno, fiável e de fácil manutenção que possibilitou ao típico cidadão espanhol “dar o pulo” do seu amado, mas ultrapassado, 600, para um veículo mais actual e, acima de tudo, melhor adaptado às mais recentes vias que compunham a rede de estradas espanhola.
Mais do que um simples sucesso de vendas, com quase 900 mil unidades produzidas, o 124 fez furor enquanto veículo de competição, conduzido por pilotos como Zanini e Cañellas, assim como foi o veículo de eleição da Guardia Civil, entre outros serviços.
Assim que tive as chaves na mão, soube que este ia ser um dia ainda mais especial. Conduzir um dos carros mais emblemáticos e importantes da marca espanhola, pela qual tenho um carinho especial (um dia contarei esta história…), é uma experiência única, da qual quis aproveitar cada momento, sempre respeitando este “senhor” com 42 anos de aventuras para contar.
Instalo-me a bordo e fecho a porta que bate com o som típico de outros tempos. Coloco o cinto de segurança, também ele diferente daquilo a que estamos habituados, e ponho a chave no canhão de ignição, à esquerda do volante. Ao primeiro toque, o quatro cilindros acorda acompanhado de bonito som e daquele cheirinho que os mais novos já não partilham.
Assim que arranco, apercebo-me, para minha surpresa, do quão precisa é a caixa de quatro velocidades, até mesmo pelos padrões dos automóveis actuais. Uma verdadeira delícia, que viria a dominar por completo este contacto com o 124, atrás do seu volante de dimensões de outrora, uma vez que as constantes lombas que iam surgindo no percurso me obrigaram a repetitivas reduções de terceira para segunda, para logo a seguir acelerar até ao próximo “obstáculo”. Sempre com a segurança de uma travagem eficaz, graças aos travões de disco nas quatro rodas, e com disponibilidade e destreza, para as quais contribuem o seu baixo peso e a vivacidade dos seus 65 cavalos, que se deixam ouvir no habitáculo, quer na subida de rotação, quer nos rateres causados nas desacelerações.
Conduzir um carro como este é um verdadeiro teste aos nossos sentidos, a verdadeira experiência do que é conduzir um automóvel, com o qual é preciso interagir para dele extrair aquilo que queremos. Os pormenores são, no mínimo, fabulosos. Os pequenos vidros giratórios nas portas da frente, o rádio da época, o funcionamento totalmente manual do esguicho e o seu “reservatório”, que mais não é do que um saco de água, assim como a ausência de alternador, que no seu lugar tem um dínamo. Todo este conjunto de características que nos transporta no tempo, contrasta com vários elementos de modernidade deste “quarentão”. A suspensão e o conforto que proporciona, a caixa de velocidades sincronizada (já referi que é um “mimo”? Já? Pronto…), os discos de travão no eixo traseiro, são alguns dos exemplos. Este contraste entre a simplicidade do passado e a modernidade que referi, resulta num produto muito fiável e bem conseguido tendo em conta a sua época, sendo também um automóvel carismático e com uma presença que se faz notar por onde quer que passe.
O carro mais antigo que alguma vez conduzi e um dos que mais gozo me deu. Será um prazer recordar este momento no futuro. Obrigado, “Samurai”.
JI: Como “conheceste” o teu SEAT 124?
NA: “Conheci-o” quando tinha 5 ou 6 anos. O meu pai comprou-o a um vizinho que, sendo uma pessoa de idade avançada, já não o conduzia. Foi comprado já com a intenção de o guardar como clássico. O anterior proprietário chegou a viver em Angola. No livrete antigo, que tenho guardado, tem a indicação de que o carro esteve lá matriculado.
JI: Há quanto tempo o tens e que utilização lhe dás?
NA: Desde 1990 foi o daily driver do meu pai. Depois disso esteve praticamente parado até 2004, altura em que foi vendido. Já em 2010 encontrei-o à venda pela mesma pessoa a quem o tínhamos vendido. Voltei a comprá-lo. Desde então faço entre 1000 e 2000 quilómetros com ele.
JI: Que trabalho de restauro e manutenção foi feito para o SEAT se apresentar neste estado?
NA: Relativamente à manutenção, não difere muito da de um carro usado no dia-a-dia. Tubagens do sistema de refrigeração, bomba de água e termostato, tubos de travão, casquilhos e escape, são alguns dos componentes já substituídos. A nível de restauro, para além da pintura exterior, feita em 1990, ainda nada foi feito, apesar de estar para breve algum trabalho de chapa para recuperar algumas zonas a precisarem de atenção. O 124 foi sempre um carro de garagem.
JI: O que mais te agrada no 124? Que aspectos merecem o teu destaque?
NA: Dizer o que mais me agrada não é fácil, pois são muitas coisas. Vou fazer o contrário e dizer aquilo de que não gosto tanto. O volante, por exemplo, é demasiado grande e fino para o meu gosto. Destaque? A condução. Muitas pessoas olham para o carro e não fazem ideia do gozo que a sua condução proporciona. Basta perguntar a alguém que já tenha tido ou conduzido um 124, todos vão dizer maravilhas. O meu pormenor preferido é, sem dúvida, o esguicho do limpa pára-brisas de accionamento manual, através de botão de pressão, ao invés de accionamento eléctrico.
JI: Que trabalho e melhoramentos tens em mente para o futuro?
NA: Para além do trabalho de restauro de chapa, pretendo colocar um volante desportivo e umas jantes especiais, mas ainda não me decidi em relação às mesmas. Aceitam-se propostas.